A Cor Púrpura
Publicado em Segunda-feira,

ator: Whoopi Goldberg, Danny Glover, Oprah Winfrey, Margaret Avery, Willard E. Pugh, Akosua Busia, Adolph Caesar, Rae Dawn Chong, Dana Ivey, Laurence Fishburne, Bennet Guillory
Um Grito no Silêncio do Sul
No início do século XX, no sul rural dos Estados Unidos, conhecemos Celie, uma jovem negra que desde criança é calada pela violência, pelo racismo e pelo machismo brutal de seu entorno. Aos 14 anos, já foi violentada pelo próprio pai, teve dois filhos arrancados dos braços e entregues para longe. Celie aprende, desde muito cedo, que para sobreviver, é preciso calar. Seu mundo é pequeno, sufocante e doloroso — mas dentro dela, algo insiste em não morrer.
Nettie, a Luz na Escuridão
Sua única fonte de alegria é Nettie, sua irmã mais nova. Juntas, elas dividem sonhos, aprendem a ler, escapam do mundo real pelas páginas dos livros. Celie vive para proteger Nettie. Mas quando o brutal Mister — também chamado de Albert — aparece, sua vida toma outro rumo. Mister quer Nettie como esposa, mas o pai de Celie obriga-o a levar a mais velha. Celie é dada em casamento como se fosse um animal. Separada da irmã, ela mergulha numa nova prisão.
A Casa do Inimigo
Na casa de Mister, a vida de Celie piora. Ele a trata com desprezo, violência e exploração. Ela é escrava doméstica, babá dos filhos dele, saco de pancadas e alvo constante de humilhações. O pouco que resta de sua autoestima é corroído dia após dia. Mister, com sua frieza e autoridade, tenta apagar tudo que há nela. Mas Celie aguenta. Sempre em silêncio. Sempre sobrevivendo. Sua vida vira uma repetição de dor — até que algo muda.
A Chegada de Sofia
A primeira rachadura na parede do silêncio vem com a chegada de Sofia, uma mulher negra, forte, destemida, que se recusa a aceitar abusos. Sofia se casa com Harpo, filho de Mister, e enfrenta tudo e todos para viver do seu jeito. Ela inspira Celie a questionar a submissão. Sofia é fogo onde Celie é brisa, e esse contraste desperta nela um novo desejo: o de existir, de ter voz. Mas o mundo não é gentil com mulheres como Sofia.
A Queda de Sofia
Sofia desafia não apenas seu marido, mas também os brancos da cidade. Quando se recusa a trabalhar como empregada de uma mulher branca, leva um soco de um policial. A cena é brutal. Sofia é espancada publicamente e presa. Passa anos na cadeia, sendo destruída lentamente. Ao sair, está irreconhecível. Foi domada pela violência do racismo. A visão da mulher invencível agora rendida impacta Celie profundamente. Ela percebe que lutar tem um preço — mas se calar, talvez custe ainda mais.
Shug Avery, o Furacão
A vida de Celie muda para sempre quando conhece Shug Avery, uma cantora de blues, ousada, livre, e com passado com Mister. Shug chega doente, sendo cuidada por Celie. Ao longo dos dias, nasce entre as duas uma relação de cuidado, respeito e paixão. Shug enxerga em Celie uma beleza que ninguém jamais viu. Pela primeira vez, Celie se vê amada. Shug a ensina a rir, a dançar, a pensar por si. A relação entre elas é um dos pontos mais emocionantes do filme.
A Descoberta do Prazer
Com Shug, Celie descobre mais do que amor. Descobre o toque, o prazer, o direito de sentir. Em uma sociedade que a tratava como objeto, ela finalmente se sente humana. As cenas entre elas são delicadas, simbólicas, intensas. A sexualidade de Celie não é exibida — é libertada. Shug mostra a ela que a cor púrpura das flores é feita para ser apreciada. Que Deus está nos detalhes, na beleza, na liberdade. Celie começa a despertar.
As Cartas de Nettie
Shug também descobre que Mister vinha escondendo de Celie as cartas enviadas por sua irmã Nettie. Ao encontrá-las escondidas em um baú, as duas leem juntas. Nettie está viva. Foi acolhida por um casal missionário na África e vive com os filhos de Celie — aqueles que lhe foram tirados na infância. A revelação é um soco e um sopro de esperança. Cada carta lida é uma injeção de força. Celie reencontra o elo que pensava ter perdido para sempre.
O Jantar da Virada
Certa noite, durante o jantar com Mister, Harpo e outros, Celie explode. Pela primeira vez, ela se recusa a ficar em silêncio. Diz tudo que pensa de Mister, amaldiçoa o controle que ele teve sobre sua vida e decide partir. A cena é poderosa. Shug a apoia. Sofia, mesmo machucada pela vida, também a incentiva. Celie vai embora com a cabeça erguida. A mulher calada virou trovão. Começa ali a sua nova vida.
A Liberdade Tem Cor
Celie vai morar com Shug e começa um pequeno negócio de costura. Seus panos coloridos, cheios de formas e alma, representam sua reconstrução. Ela ganha dinheiro, respeito e, finalmente, liberdade. Cada ponto de suas roupas é um ponto costurado em sua própria alma. A mulher que antes vivia com os olhos baixos agora sorri, se veste como quer e fala como nunca. A libertação é silenciosa, mas profunda.
Mister Desce do Trono
Enquanto Celie cresce, Mister entra em declínio. Abandonado por todos, vive em solidão. Começa a refletir. Lê as cartas, lembra dos erros. Tenta mudar. A transformação é lenta e, talvez, insuficiente. Mas ele tenta. A masculinidade tóxica que o definiu começa a ruir. Em certo momento, ele até ajuda a reunir Celie com seus filhos. É um gesto pequeno diante de tudo, mas que carrega peso simbólico. O opressor tenta buscar redenção.
O Retorno de Nettie
O clímax do filme acontece com o retorno de Nettie e os filhos de Celie. A cena é um abraço que atravessa anos, oceanos, dores. As irmãs se reencontram em um campo florido, e Celie vê, diante de si, o que achava impossível. A família que lhe foi arrancada está de volta. O passado não pode ser apagado, mas a esperança reconstrói o futuro. Celie, agora idosa, está completa. E pela primeira vez, vive sem medo.
Alice Walker e a Força do Romance
Baseado no premiado livro de Alice Walker, "A Cor Púrpura" é um hino de resistência feminina negra. A obra venceu o Pulitzer e o National Book Award. No cinema, foi dirigida por Steven Spielberg, que, mesmo sendo branco e homem, conseguiu capturar com respeito e emoção a jornada de Celie. É um dos filmes mais importantes da história do cinema norte-americano. E, ainda hoje, fala com quem já se sentiu invisível.
Whoopi Goldberg em Estado de Graça
A performance de Whoopi Goldberg como Celie é uma das mais impressionantes da história do cinema. Com um olhar, ela diz tudo. Sua evolução de menina quebrada para mulher renascida é tocante, real, transformadora. Mesmo sem palavras, Goldberg transmite dor, ternura, coragem e liberdade. É impossível não se emocionar. Sua indicação ao Oscar foi mais do que justa — foi um reconhecimento de sua grandeza.
Oprah Winfrey e a Fúria de Sofia
Oprah Winfrey, no papel de Sofia, explode em tela. Sua personagem representa a força inabalável que resiste até quando o mundo tenta destruí-la. Sua célebre fala “All my life I had to fight” (A vida toda eu tive que lutar) é uma síntese do que é ser mulher negra nos EUA. Oprah, que até então era desconhecida no cinema, entregou uma atuação monumental — e também foi indicada ao Oscar.
A Direção de Spielberg
Spielberg, conhecido por aventuras e ficção científica, surpreende ao dirigir com tanta delicadeza e respeito. Ele não evita a dor, mas também não a explora com voyeurismo. Ele ilumina os momentos pequenos — um sorriso entre irmãs, uma flor roxa no campo, um olhar cruzado. A trilha sonora, as cores, a fotografia: tudo colabora para fazer de "A Cor Púrpura" uma obra-prima visual e emocional.
O Impacto Cultural
O filme foi indicado a 11 Oscars, incluindo Melhor Filme, Direção, Atriz, Atriz Coadjuvante e Roteiro. Apesar de não ter vencido nenhuma estatueta, tornou-se referência. Foi adaptado para a Broadway com enorme sucesso, e em 2023 ganhou um novo remake musical. “A Cor Púrpura” segue influente, discutido em escolas, grupos de cinema, movimentos sociais. É uma obra que transcende a tela. É resistência em forma de arte.
O Significado da Cor
A frase de Shug para Celie — “Deus fica bravo se você passa por um campo de flores roxas e não repara” — é um manifesto sobre beleza, presença e conexão com o divino. A cor púrpura simboliza o que foi ignorado, apagado, desprezado — mas que, ao ser visto, ganha vida. O filme nos lembra que o mundo está cheio de cor, mesmo quando tentam pintá-lo de cinza.
Um Final de Esperança
Celie, agora velha, rodeada por filhos, netos, amigos, vive em paz. O passado ainda ecoa, mas já não define. O filme termina como começou: com cartas. Mas agora, elas não são um grito no vazio. São celebração. A mulher que nasceu para servir agora é rainha de seu próprio destino. “A Cor Púrpura” é uma jornada de dor, sim — mas também de cura.