EDM

ator: Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Albert Finney, Marisa Tomei, Rosemary Harris, Aleksa Palladino, Michael Shannon, Amy Ryan, Brian F. O'Byrne, Leonardo Cimino

Abertura no Abismo

A história começa com uma sequência provocante, desconcertante, e ao mesmo tempo simbólica: Andy Hanson, nu, transando com sua esposa Gina durante uma viagem ao Brasil. O cenário paradisíaco contrasta com a tensão emocional. A cena já nos prepara para o que vem a seguir — um mergulho no caos de uma família americana que esconde seus próprios infernos pessoais sob uma fachada de normalidade. Andy, interpretado por Philip Seymour Hoffman, é um executivo financeiro frustrado e ressentido. Endividado, amargurado, com um casamento em crise, ele busca uma solução desesperada para seus problemas financeiros e existenciais.

A Proposta do Século

Andy propõe ao seu irmão mais novo, Hank Hanson, uma ideia que, à primeira vista, parece perfeita: assaltar a própria loja dos pais. O raciocínio é cínico e frio. Segundo Andy, os pais têm seguro, ninguém vai se ferir, e eles conseguirão um bom dinheiro fácil. Hank, vivido por Ethan Hawke, é um homem frágil, inseguro e atolado em dívidas — inclusive devendo pensão alimentícia. Ele hesita, mas cede à pressão do irmão mais velho. A relação entre os dois já se mostra assimétrica: Andy domina, manipula e arrasta Hank para o abismo. O plano parece simples. Mas nada funciona como planejado.

A Loja da Família

A loja em questão é uma joalheria de bairro em Nova York, cuidada com carinho pelos pais dos irmãos, especialmente pela mãe, Nanette. É um negócio familiar, um ponto de referência, símbolo de estabilidade e tradição. Andy a vê como algo ultrapassado, uma relíquia. Hank ainda a respeita. O plano era que Hank entrasse com um comparsa mascarado, roubasse o dinheiro e as joias, sem violência. Mas Hank, covarde, delega o serviço a outro homem. E esse erro muda tudo.

O Assalto Fracassado

No dia do assalto, o inesperado acontece: Nanette Hanson, a própria mãe dos dois, está na loja. O comparsa de Hank, despreparado, entra em pânico. Há uma troca de tiros. Nanette é baleada e acaba morrendo. O ladrão também é atingido e morre na sequência. O que era para ser um “golpe limpo” se transforma em tragédia familiar. Andy e Hank tentam esconder a verdade. Mas o crime desencadeia uma espiral de consequências que logo foge ao controle.

O Pai em Caça

Charles Hanson, o patriarca da família, é interpretado por Albert Finney com gravidade e dor contida. Devastado pela morte da esposa, ele se recusa a deixar o caso nas mãos da polícia. Decide investigar por conta própria, percorrendo as pistas como um detetive movido pela dor e pelo amor perdido. Charles é um homem justo, metódico, orgulhoso — e completamente ignorante sobre o que seus próprios filhos são capazes. Mas à medida que a investigação avança, ele se aproxima da verdade, sem saber que o monstro vive dentro de casa.

Irmãos em Guerra

A relação entre Andy e Hank começa a se deteriorar rapidamente. O trauma do crime, o peso da culpa e a crescente desconfiança entre os dois alimentam uma tensão insuportável. Hank está em colapso emocional, enquanto Andy tenta manter a frieza e o controle. Mas Andy também está à beira de um colapso. Seus vícios, seu orgulho e sua fúria não tardam a transbordar. A fratura entre os irmãos, antes apenas moral, torna-se inevitavelmente física. E quando a violência começa, não há como voltar atrás.

Segredos no Quarto

A tensão se aprofunda com a revelação de que Hank tem um caso com Gina, a esposa de Andy. O triângulo amoroso é mais um ingrediente no caldeirão fervente que a história se torna. Gina, interpretada por Marisa Tomei, é uma mulher insatisfeita, perdida, e talvez até manipulada por Andy, mas que enxerga em Hank uma espécie de refúgio. A traição não é apenas carnal — é uma confirmação de que, dentro dessa família, o amor foi substituído por mágoa e destruição. Quando Andy descobre a traição, sua fúria explode.

Flashbacks que Cortam

A narrativa do diretor Sidney Lumet é fragmentada. Ele costura o filme com idas e vindas temporais, mostrando os eventos sob diferentes perspectivas, ampliando a tragédia. Cada repetição não é repetição de fato — é aprofundamento. A mesma cena se transforma, ganha novas nuances conforme conhecemos mais os personagens. Essa estrutura não só nos prende, como também reflete a confusão e o desmoronamento interno de cada personagem. Não é apenas o tempo que está quebrado — é a própria noção de moralidade.

Andy em Desintegração

Andy tenta controlar tudo. Vai até seu traficante para pegar mais drogas, suborna funcionários, mente para o pai, para o irmão, para si mesmo. Mas seu império pessoal está em ruínas. Em uma das cenas mais angustiantes, ele confronta o pai do ladrão morto, e a conversa se transforma em ameaça. Andy perde o controle. Sua tentativa de se colocar acima de todos o transforma no mais frágil dos personagens. A arrogância se desfaz em desespero. Ele é um homem em queda livre, afundando na lama que ele mesmo criou.

Hank no Fio da Navalha

Hank, por outro lado, já não sabe mais o que fazer. Sua consciência o devora. Ele tenta fugir, procura consolo na filha, tenta recuperar alguma dignidade. Mas está preso a Andy, ao crime, ao peso de ter provocado a morte da própria mãe. Ele é covarde demais para se redimir, fraco demais para reagir. O círculo se fecha. E quando parece que as coisas não podem piorar, Hank é encurralado por Charles, que finalmente descobre a verdade.

O Pai Confronta o Inferno

Charles descobre tudo. Primeiro sobre o envolvimento de Hank. Depois, inevitavelmente, sobre Andy. E então o filme nos entrega um dos confrontos mais carregados de dor que o cinema já viu. Charles visita o filho no hospital, onde Andy está internado após mais um episódio de violência. O pai olha nos olhos do filho e vê, finalmente, quem ele realmente é. E faz o impensável. Em uma cena silenciosa, Charles sufoca Andy com um travesseiro. O homem justo, o pai honesto, se torna assassino. Mas não há catarse. Apenas vazio.

Silêncio Após a Tempestade

O filme termina sem redenção. Sem justiça. Sem alívio. A tragédia se consumou completamente. Todos perderam. A mãe morreu. O pai perdeu sua alma. O irmão mais velho foi morto. Hank continua vivo, mas é um fantasma do que já foi. Gina segue em sua jornada solitária, marcada por arrependimento e confusão. O título do filme ganha todo seu peso: “Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto” é uma expressão irlandesa que deseja que você morra em paz. Mas ninguém aqui morre em paz. Todos enfrentam o diabo — e o diabo, nesse caso, mora dentro deles.

A Maestria de Lumet

Sidney Lumet, então com mais de 80 anos, dirige o filme com a energia de um estreante e a precisão de um mestre. Ele filma com objetividade cirúrgica, deixando que as performances falem por si. O realismo é brutal. A violência não é estilizada, mas crua, suja, desconfortável. As cores são frias, as casas são opressoras, os escritórios são labirínticos. Tudo contribui para a atmosfera de inevitável queda. Lumet não julga os personagens. Ele os observa, como quem assiste a um castelo desabar tijolo por tijolo.

Elenco em Estado Bruto

Philip Seymour Hoffman entrega uma das performances mais intensas de sua carreira. Seu Andy é arrogante, vulnerável, desesperado. Um homem que acredita ser superior, mas está afundado até o pescoço em sua própria lama. Ethan Hawke, por sua vez, constrói um Hank cheio de medo e contradição, fraco, vacilante, mas tragicamente humano. Marisa Tomei brilha em cada cena, mesmo quando silencia. E Albert Finney oferece peso e dor com cada olhar. É um elenco em estado bruto, sem filtros, entregue à tragédia.

Um Filme que Não Perdoa

“Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto” não oferece conforto. Não há heróis. Não há vilões clássicos. Há seres humanos falhos, egoístas, desesperados por uma saída que não existe. A tragédia é grega, mas o cenário é americano. O capitalismo, o orgulho, a desigualdade, tudo compõe o pano de fundo. O crime aqui é apenas o estopim. A verdadeira ruína está na alma. O filme é um golpe seco, um soco no estômago. E permanece com você, como uma cicatriz.

Um Legado de Trevas

O filme é o testamento final de Sidney Lumet. Um diretor que passou a vida expondo o lado sombrio das instituições, da justiça, da cidade, das famílias. Aqui, ele fecha sua obra com um grito sufocado. A tragédia de “Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto” é a tragédia de uma geração que acreditou poder escapar das consequências de seus atos. Mas o diabo sempre descobre. E quando ele chega, não há mais salvação.