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As Virgens Suicidas

Publicado em Sabado,

Imagem de As Virgens Suicidas

ator: Kirsten Dunst, James Woods, Kathleen Turner, Josh Hartnett, Michael Paré, Scott Glenn, Danny DeVito, A.J. Cook, Hanna Hall, Leslie Hayman

O Subúrbio e o Mistério

Nos anos 70, num bairro pacato e entediante de Michigan, vive a família Lisbon, um típico núcleo americano de classe média. Por fora, tudo parece comum: casas com cercas brancas, churrascos de quintal e ruas silenciosas. Mas por trás das cortinas da casa dos Lisbon, cinco irmãs adolescentes vivem em um mundo tão fechado quanto fascinante. Cecilia, Lux, Bonnie, Mary e Therese são belas, misteriosas e intocáveis. Aos olhos dos garotos da vizinhança, elas não são apenas meninas — são enigmas.

O Primeiro Abalo

A narrativa começa com a mais jovem das irmãs, Cecilia, de apenas 13 anos, tentando suicídio. Ela sobrevive à primeira tentativa, mas o episódio marca profundamente todos ao seu redor. Como resposta, os pais — uma mãe religiosa e autoritária, e um pai apagado e passivo — tentam tornar a casa mais alegre e acolhedora. Organizam uma festa para ajudar a filha a socializar. Mas mesmo entre sorrisos forçados, comes e bebes e música retrô, o clima é tenso. Pouco depois, Cecilia se tranca no banheiro e se mata ao pular da janela. É a primeira rachadura na fachada perfeita dos Lisbon.

A Obsessão dos Garotos

A morte de Cecilia lança uma sombra sobre o bairro. Mas, ao invés de afastar os garotos vizinhos das irmãs restantes, desperta uma obsessão. Narrado do ponto de vista desses adolescentes, agora adultos relembrando o passado, o filme apresenta as meninas como criaturas de outro mundo — belas, tristes, inalcançáveis. Eles colecionam objetos delas, observam pela janela, trocam teorias, escrevem diários. Tentam entender o que se passa naquela casa, tentando decifrar o que está além das paredes e silêncios. Mas as respostas nunca vêm facilmente.

Prisão Dourada

Após a morte de Cecilia, a mãe das meninas fica ainda mais controladora. O clima na casa se torna opressivo. As meninas quase não saem, vivem em reclusão, com poucas interações com o mundo exterior. Lux, a mais extrovertida e sensual das irmãs, tenta escapar das amarras com pequenos atos de rebeldia. É ela quem mais chama a atenção dos garotos, especialmente de Trip Fontaine, o galã do colégio. Mas mesmo Lux, com todo seu magnetismo, não consegue escapar totalmente da prisão que é o lar dos Lisbon.

Trip Fontaine e o Baile

Trip Fontaine, interpretado por Josh Hartnett, é o típico conquistador — bonito, confiante, acostumado a vencer. Mas com Lux, ele tropeça. Fascinado, ele insiste até convencer os pais de Lux a deixarem as quatro irmãs irem ao baile, desde que todas tenham acompanhantes. Os garotos aceitam o desafio e o baile finalmente acontece. Por uma noite, as meninas dançam, riem, brilham. Lux e Trip se afastam e passam a noite juntos no campo de futebol. Mas quando Lux acorda, Trip já se foi, deixando-a sozinha. Quando retorna para casa, é tarde demais.

O Confinamento Total

A mãe de Lux, ao descobrir que a filha dormiu fora de casa, toma uma medida extrema: tranca todas as filhas em casa permanentemente. Elas são retiradas da escola e passam a viver em isolamento completo. Os telefonemas e correspondências são vetados. A televisão é desligada, as janelas trancadas. A casa se transforma em um mausoléu. Do lado de fora, os garotos apenas assistem, impotentes. Ainda assim, continuam trocando mensagens codificadas com as meninas, por papéis, músicas, sinais. É uma tentativa desesperada de contato, mas cada vez mais tênue.

Os Dias se Arrastam

Com o tempo, as meninas se tornam sombras de si mesmas. As risadas cessam. Os cabelos ficam desgrenhados. O sol nunca mais parece entrar na casa. Lux, no entanto, continua escapando à noite para encontros secretos com desconhecidos no telhado. É uma tentativa de recuperar algo, de sentir algo. Mas o vazio permanece. A repressão materna, o peso do luto, a perda de liberdade — tudo se acumula em camadas sufocantes. E mesmo os garotos, ainda que apaixonados, não conseguem mais alcançar a essência daquelas garotas que tanto veneram.

O Chamado Inesperado

Certo dia, os garotos recebem uma ligação. É Lux. Ela pede que eles venham à noite para ajudá-las a escapar. Sem pensar duas vezes, eles se reúnem e vão até a casa, com a promessa de salvá-las. Entram silenciosamente, o coração acelerado. Lux os guia até o interior da casa, pede que esperem no porão enquanto ela acorda as irmãs. Os meninos sonham com fuga, amor e redenção. Mas o que encontram é um pesadelo.

O Silêncio Final

Enquanto esperam, algo estranho acontece. O tempo passa. Não há som. Não há movimento. Um dos meninos sobe as escadas — e encontra o corpo de uma das irmãs enforcada. O horror se espalha. Um a um, os corpos das meninas são descobertos. Todas as irmãs Lisbon tiraram a própria vida naquela noite. O plano de fuga era, na verdade, uma despedida. Os garotos saem em choque, sem palavras, carregando o peso de um trauma que nunca mais será esquecido.

O Bairro Nunca Foi o Mesmo

Depois da tragédia, os pais dos Lisbon se mudam discretamente. A casa fica abandonada, depois demolida. No bairro, a normalidade volta pouco a pouco, mas nada é como antes. Os garotos, agora adultos, ainda tentam entender o que aconteceu. Juntam lembranças, objetos, fotos. Narram os eventos como quem tenta resolver um enigma sem solução. Aquelas meninas, por mais reais que tenham sido, tornaram-se símbolos. A morte delas não tem explicação fácil, não cabe em manuais psicológicos ou teorias sociais.

Mais Do Que Uma História

“As Virgens Suicidas” não é apenas sobre suicídio. É sobre adolescência, repressão, desejo e o peso da idealização. É sobre como os adultos falham em ver os filhos como seres humanos, e não como vitrines de virtude. É sobre como a dor pode florescer mesmo em lares limpos e bem cuidados. E, acima de tudo, é sobre a beleza melancólica de uma juventude incompreendida. Cada plano do filme é carregado de névoa, luz dourada, música nostálgica — como se o passado estivesse sempre embaçado, como uma lembrança que nunca se completa.

A Narrativa da Lembrança

O filme, baseado no romance de Jeffrey Eugenides, é narrado por um dos garotos, já adulto. Mas sua voz é coletiva. É a voz de todos os meninos que tentaram entender, que observaram e não agiram, que idealizaram e falharam. A narração torna a história quase mitológica, como se as meninas fossem figuras de uma lenda suburbana. Isso dá ao filme um tom etéreo, entre o real e o sonhado. Não se trata apenas do que aconteceu — mas de como foi sentido, de como ecoa até hoje.

Lux Lisbon: Ícone e Fantasma

Lux, interpretada por Kirsten Dunst, se destaca entre as irmãs. É ela quem mais desafia, quem mais brilha, quem mais sofre. Sua beleza e ousadia escondem um vazio profundo. Cada vez que ela sorri, é como se pedisse ajuda. Sua morte, embora parte do pacto, parece especialmente devastadora. Ao longo do filme, ela simboliza a luta entre desejo e repressão, liberdade e culpa. Sua figura é a que permanece mais viva na memória dos meninos — e na nossa.

A Estética da Melancolia

Sofia Coppola, em seu filme de estreia, constrói uma estética hipnótica. A trilha sonora da banda Air, os filtros dourados, os planos contemplativos — tudo contribui para uma atmosfera de sonho triste. Não há pressa. Cada cena é uma pintura, cada diálogo, uma poesia sufocada. Não há explicações fáceis, não há vilões explícitos. Há apenas sensações. “As Virgens Suicidas” é uma experiência emocional, mais do que lógica. É um filme para sentir, não para dissecar.

O Papel da Repressão

A mãe das meninas, interpretada por Kathleen Turner, é um dos pilares da tragédia. Sua rigidez, sua fé intransigente, seu medo do mundo exterior — tudo isso contribui para o colapso emocional das filhas. Ela acredita estar protegendo, mas está sufocando. O pai, por sua vez, é ausente, quase inerte. O filme nunca os demoniza, mas também não os absolve. São produtos de uma época, de uma cultura que prefere o silêncio à escuta, o controle à empatia.

A Adolescência Como Labirinto

No fim, “As Virgens Suicidas” fala da adolescência como um período sombrio e mágico. É quando tudo parece intenso demais: o amor, a dor, a solidão. As meninas Lisbon representam a vulnerabilidade desse estágio da vida, quando as emoções transbordam e ninguém parece entender. O filme não oferece soluções — oferece espelhos. Mostra como é fácil idealizar, ignorar e perder. Mostra que a adolescência, para muitos, é menos sobre descobertas e mais sobre resistir.

Encerramento

“As Virgens Suicidas” é uma obra sobre memórias que nunca cicatrizam. Sobre amores que nunca se concretizam. Sobre perguntas que jamais serão respondidas. É um filme que permanece com quem o assiste, ecoando como um sussurro vindo de um verão distante. Sofia Coppola transformou a dor da juventude em arte. E aquelas cinco meninas, mesmo que tenham escolhido o silêncio eterno, continuam vivas no imaginário de todos que ousam olhar além da superfície.