Regressão (2015)
Publicado em Segunda-feira,

ator: Ethan Hawke, Emma Watson, David Thewlis, Lothaire Bluteau, Dale Dickey, Aaron Ashmore, Devon Bostick, Peter MacNeill, David Dencik
Um Thriller Envolto em Mistério
Lançado em 2015 e dirigido por Alejandro Amenábar, Regressão (Regression) é um thriller psicológico sombrio e denso que mergulha no coração de uma comunidade assombrada pelo medo e pela dúvida. Estrelado por Ethan Hawke como o detetive Bruce Kenner e Emma Watson como Angela Gray, o filme mistura crime, drama psicológico e crítica social em uma história que flerta com o terror e a paranoia coletiva.
Inspirado em casos reais da chamada “satanic panic” que assolou os Estados Unidos nos anos 80 e 90, Regressão apresenta uma investigação policial que, ao invés de trazer respostas, afunda seus personagens — e o espectador — em um labirinto psicológico inquietante. O suspense cresce de forma lenta e opressiva, desafiando a confiança do público naquilo que vê e ouve.
O Caso Angela Gray
A trama tem início em uma pequena cidade do Minnesota, em 1990. Angela Gray, uma jovem retraída e perturbada, acusa seu pai, John Gray, de tê-la abusado sexualmente em rituais satânicos. O caso ganha força rapidamente e se torna central para a polícia local, principalmente após o próprio John — interpretado por David Dencik — confessar o crime, embora afirme não lembrar de absolutamente nada do que fez.
É nesse ponto que entra o detetive Bruce Kenner, que decide investigar o caso mais a fundo. O comportamento de John, a fragilidade de Angela e a tensão crescente da comunidade criam um ambiente carregado de medo e confusão. Kenner não sabe em quem confiar, mas sua determinação em encontrar a verdade o leva por um caminho sombrio e inesperado.
A Hipnose Regressiva
Para tentar acessar as memórias bloqueadas de John, Kenner recorre ao psicólogo Kenneth Raines (interpretado por David Thewlis), especialista em regressão hipnótica. A técnica — controversa até mesmo dentro da ciência — busca desbloquear memórias reprimidas por meio de transe. Sob hipnose, John começa a revelar detalhes grotescos de rituais satânicos, cultos ocultos e práticas perversas.
Conforme mais pessoas da cidade se submetem à hipnose, outras confissões semelhantes começam a emergir. Logo, a investigação extrapola os limites da casa dos Gray e passa a sugerir a existência de um culto satânico operando dentro da própria comunidade. A cidade, já abalada, mergulha em paranoia, com pais suspeitando de professores, policiais desconfiando de vizinhos, e o medo se espalhando como uma epidemia invisível.
Ethan Hawke e o Detetive Fragmentado
A atuação de Ethan Hawke é o eixo que sustenta o filme. Seu detetive Bruce Kenner é um homem pragmático, mas atormentado, cuja jornada emocional o leva a questionar sua sanidade. Conforme ele mergulha mais fundo no caso, começa a sofrer com pesadelos vívidos, alucinações e sensações de perseguição.
Kenner acredita estar cercado por algo maior — um mal invisível, poderoso e implacável. A câmera acompanha seu declínio psicológico de forma claustrofóbica, muitas vezes limitando os quadros a closes sufocantes, espelhos distorcidos e silêncios ensurdecedores. Não se trata apenas de uma investigação policial, mas de uma descida aos porões mais escuros da mente humana.
Angela e Suas Contradições
Angela, vivida com intensidade por Emma Watson, é uma personagem cheia de camadas. De início, sua fragilidade e angústia despertam empatia e compaixão. Ela vive com a avó, participa da igreja local e parece traumatizada por algo profundamente doloroso. Sua dor é visível nos olhos, nos gestos, no silêncio.
Porém, à medida que a trama avança, suas declarações tornam-se mais vagas, suas atitudes contraditórias e seu envolvimento com a igreja — liderada pelo reverendo Beaumont — levanta suspeitas. O filme constrói um jogo de espelhos no qual o público, assim como o detetive, começa a duvidar da versão oficial. Angela é vítima, manipuladora ou ambas as coisas? Essa ambiguidade sustenta a tensão até o final.
O Clima de Pânico Moral
Regressão não se limita a contar uma história policial. Ele também é um retrato incisivo do pânico moral que tomou conta de certas partes dos EUA nos anos 80 e 90. Centenas de pessoas foram acusadas injustamente de envolvimento com cultos satânicos, muitos dos quais baseados em memórias recuperadas sob hipnose — memórias que, com o tempo, foram descreditadas como falsas.
O filme recria esse clima de histeria coletiva com precisão assustadora. A imprensa sensacionalista, a religião fervorosa, a ciência duvidosa e o medo generalizado formam um coquetel explosivo. A paranoia se torna o verdadeiro vilão da história, transformando vizinhos em monstros e dúvidas em verdades absolutas.
A Dúvida e o Horror Real
Um dos maiores méritos do roteiro é a recusa em oferecer respostas fáceis. O espectador, assim como os personagens, é jogado em um emaranhado de pistas falsas, visões perturbadoras e informações contraditórias. Não há monstros sobrenaturais, mas o horror é palpável — está no que não se vê, no que não se tem certeza, no que se deseja esquecer.
A tensão psicológica é tão forte que por vezes parece um filme de terror. Há cenas que remetem a pesadelos, com figuras encapuzadas, velas acesas, cantos demoníacos e olhos observando nas sombras. Porém, o verdadeiro medo vem da sugestão: e se tudo isso for fruto da imaginação? E se os traumas forem fabricados? E se a mente humana for tão vulnerável quanto a de uma criança?
Uma Comunidade em Colapso
À medida que os relatos se multiplicam, Kenner descobre que várias pessoas da cidade afirmam ter participado — ou presenciado — rituais semelhantes. Mas as histórias começam a se contradizer. Datas não batem. Locais não coincidem. Detalhes são reciclados. O próprio psicólogo começa a levantar dúvidas sobre a validade das memórias recuperadas.
A cidade entra em colapso. Casos antigos são reabertos. Famílias são desfeitas. A polícia é sobrecarregada com denúncias improváveis. E, no centro disso tudo, está Angela Gray — cuja história talvez seja mais complexa do que qualquer um imaginava.
A Virada Chocante
Sem revelar detalhes para não comprometer a experiência de quem ainda vai assistir, é seguro dizer que Regressão apresenta uma reviravolta que muda toda a perspectiva do filme. O que parecia ser um caso paranormal se transforma em algo profundamente humano — e, por isso mesmo, mais assustador.
A revelação final é sutil, mas devastadora. Ela expõe os perigos de aceitar memórias como verdades absolutas, o risco de manipular a fragilidade das pessoas e a facilidade com que uma mentira pode se espalhar em tempos de medo. A crítica não é apenas ao sistema, mas ao próprio desejo humano de encontrar monstros, mesmo quando eles não existem.
Direção Precisa e Atmosfera Sufocante
Alejandro Amenábar, conhecido por filmes como Os Outros e Mar Adentro, demonstra aqui sua habilidade em construir atmosferas densas. O ritmo é lento, mas cada cena é carregada de significado. A fotografia é escura, melancólica, com tons azulados que reforçam o clima gélido da cidade e da mente dos personagens.
A trilha sonora, minimalista e inquietante, aparece nos momentos certos para amplificar a tensão. Há uma sensação constante de que algo está errado — mesmo quando tudo parece calmo. O som, os silêncios e os ruídos ao fundo contribuem para esse sentimento de desconforto permanente.
Emma Watson em Um Papel Surpreendente
Para quem conhecia Emma Watson apenas como Hermione Granger, Regressão revela uma faceta diferente da atriz. Aqui, ela entrega uma performance contida, mas poderosa. Angela é uma personagem que exige sutileza: cada gesto pode significar múltiplas coisas, cada silêncio pode esconder um grito.
Emma constrói essa complexidade com maturidade. Sua Angela é tanto vítima quanto símbolo — de uma era, de uma falha social, de um sistema que prefere crer na dor do que investigá-la. Mesmo com pouco tempo de tela em certos trechos, sua presença é magnética e central.
Críticas Divididas e Reflexões Profundas
Na época de seu lançamento, Regressão dividiu críticas. Muitos esperavam um terror tradicional, com sustos e demônios literais. Porém, o filme oferece algo mais sutil e psicológico. Por isso, foi subestimado por parte do público. No entanto, com o tempo, passou a ser reavaliado como um thriller inteligente, com camadas profundas e uma crítica relevante à cultura do medo.
O filme nos faz refletir sobre as consequências de confiar cegamente em métodos não comprovados, sobre o poder destrutivo das massas, e sobre a delicadeza com que devemos lidar com memórias, traumas e acusações sérias. É um filme que incomoda, e justamente por isso, é necessário.
Um Final Aterrador e Realista
Ao concluir, Regressão mostra que os verdadeiros horrores muitas vezes não são sobrenaturais, mas humanos. A mente, quando influenciada, pode fabricar monstros. A sociedade, quando amedrontada, pode condenar inocentes. E a verdade, quando manipulada, se torna mais perigosa do que qualquer mentira.
A última cena, silenciosa e simbólica, não entrega redenção nem catarse. Apenas um retrato do que resta depois do pânico: a solidão, a dúvida e a cicatriz de algo que talvez nunca tenha acontecido — ou tenha sido ainda pior do que se imaginava.