Início Anime Bíblia Filme Mitologia

Circe poderosa bruxa, não pertence ao mundo dos deuses ou mortais

Circe

Publicado em Quarta-feira,

Imagem de Circe

Mais informações sobre: Circe

A Bruxa que Era Deusa

Circe era filha de Hélio, o titã do Sol, e da oceânide Perseis. Mas apesar de carregar no sangue o poder celestial, ela nasceu com uma alma solitária, quase humana. Desde cedo, foi ignorada pelos deuses, vista como fraca, estranha — uma criatura entre mundos. Não era bela como Afrodite, nem poderosa como Hécate. Mas tinha algo que nenhum deles compreendia de verdade: curiosidade. E foi essa curiosidade que a conduziu por um caminho sombrio, perigoso e grandioso. Circe não seria mais uma entre os imortais. Ela aprenderia a transformar.

A Descoberta do Feitiço

Circe cresceu entre os salões dourados do palácio de seu pai e as ondas do oceano que cercavam a ilha de Aeaea. Enquanto seus irmãos — Perses, Pasífae e Eetes — seguiam destinos gloriosos como reis e rainhas de lugares mágicos, ela se isolava. Um dia, observando uma flor que nascera onde o sangue de um deus caíra, ela percebeu: o mundo podia ser alterado. Descobriu que com ervas, palavras e intenção, a realidade podia ser moldada. Foi a primeira a usar feitiçaria verdadeira. Não poder bruto, mas técnica. Não divina, mas aprendida. E isso assustou os deuses.

A Maldição de Scylla

Movida por amor e desprezo, Circe cometeu seu primeiro erro: apaixonou-se por Glauco, um simples pescador. Desejando torná-lo imortal, transformou-o com uma poção. Mas Glauco, ao se tornar deus marinho, apaixonou-se por outra: a ninfa Scylla. Tomada pelo ciúme, Circe usou feitiços para envenenar as águas onde a rival banhava-se. Scylla foi deformada, tornando-se um monstro marinho com doze pés e seis cabeças — uma criatura terrível que passou a devorar marinheiros. O ato revelou a potência e o perigo da feitiçaria de Circe. Os deuses, horrorizados, a exilaram para sempre.

O Exílio em Aeaea

Enviada sozinha à ilha de Aeaea, Circe não foi punida como um criminoso, mas como uma ameaça. A feiticeira transformadora de deuses não podia mais viver entre os imortais. Em sua ilha cercada por florestas e falésias, ela construiu seu refúgio. Domou feras, estudou plantas, aperfeiçoou feitiços. Passou séculos aperfeiçoando sua arte. Criou poções que curavam e que matavam, transformavam e restauravam. Seu nome se espalhou entre os homens como um sussurro: “a deusa que enfeitiça”. Mas Circe não era apenas uma bruxa — era uma mulher que havia descoberto o poder de mudar o destino.

A Chegada de Odisseu

Tudo mudou quando um navio naufragado trouxe até Aeaea o herói grego Odisseu e sua tripulação. Cansados e famintos, os marinheiros foram recebidos por Circe — bela, serena, misteriosa. Ofereceu-lhes banquete e vinho, mas em segredo, misturou poções. Um a um, eles se transformaram em porcos. Era sua defesa. Homens eram perigosos, destrutivos, cruéis. Transformá-los era mais seguro do que enfrentá-los. Mas Odisseu, avisado por Hermes, chegou imune. Armado com uma planta mágica — o moly — e protegido dos encantos, confrontou Circe. E ela, pela primeira vez, cedeu.

A Feiticeira e o Herói

Ao ver Odisseu resistir ao seu poder, Circe não sentiu raiva — sentiu respeito. Admirou sua coragem, sua inteligência. Devolveu os marinheiros à forma humana e ofereceu hospitalidade. O que era para ser um confronto virou uma aliança. Odisseu e seus homens viveram em Aeaea por um ano. Ele e Circe tornaram-se amantes. Trocaram histórias, dores, segredos. Ela lhe revelou como cruzar os perigos do mar, como evitar monstros e sobreviver ao canto das sereias. E, quando ele partiu, ela não tentou impedi-lo. Amava, mas não era dona. Circe havia se tornado mais que uma deusa. Tornara-se humana.

O Filho Esquecido

Da união com Odisseu nasceu Telégono. Circe o criou sozinha na ilha, ensinando-lhe magia, espada, coragem. Quando ele cresceu, partiu em busca do pai que nunca conhecera. Chegando a Ítaca, em uma confusão trágica, matou Odisseu sem saber quem era. Ao descobrir a verdade, Telégono retornou devastado à mãe. Circe, em luto, acolheu-o. Mas o destino não tinha terminado com ela. Segundo alguns mitos, ela então se casou com Telêmaco, o outro filho de Odisseu, e sua enteada Penélope foi viver com eles em Aeaea. A feiticeira construiu com eles uma nova linhagem — meio divina, meio humana.

Circe e Medeia

Outra das figuras moldadas por Circe foi sua sobrinha Medeia, filha de seu irmão Eetes. Quando Jasão chegou à Cólquida em busca do Velocino de Ouro, foi Circe quem mais tarde purificou Medeia após seus crimes. Em versões mais dramáticas, Circe é apresentada como guia moral de Medeia, ou mesmo como a que adverte contra a loucura da paixão. Essa relação entre as duas feiticeiras — uma jovem impulsiva e outra madura e experiente — ecoa na literatura como o arquétipo da mestra e discípula, da que conhece o abismo e tenta impedir a queda do outro.

A Magia como Resistência

Circe foi a primeira personagem feminina da mitologia grega a dominar poder sozinha. Não era subordinada a nenhum deus. Não era esposa de ninguém. Seus feitiços não vinham de promessas ou sacrifícios, mas do conhecimento. Por isso, os antigos gregos a temiam. Homens a retratavam como perigosa, traiçoeira, destruidora de heróis. Mas sob o olhar moderno, Circe é símbolo de autonomia, de resistência contra um mundo patriarcal. Ela escolhe seus caminhos. Protege sua casa. Vive conforme suas próprias regras. E transforma, não por capricho, mas por necessidade.

A Influência Cultural

De Homero a Madeline Miller, Circe atravessou os séculos. No poema épico “A Odisseia”, ela é a feiticeira enigmática. Em “Metamorfoses” de Ovídio, é símbolo de desejo perigoso. No romance “Circe” de Miller, ela ganha voz própria — uma narrativa sensível, feminina e potente. Na psicanálise, tornou-se símbolo da mulher que domina sua sexualidade e sabedoria. No feminismo, foi resgatada como arquétipo da mulher que sobrevive ao isolamento, à exclusão e ao desprezo. Em séries, filmes, HQs, ela continua a surgir, desafiando o que se espera de uma deusa — ou de uma mulher.

O Último Feitiço

A lenda diz que, com o tempo, Circe cansou da imortalidade. Observou gerações passarem, viu a dor e a glória da humanidade. Um dia, ela preparou um último feitiço. Um feitiço que não transformaria outros — mas a si mesma. Quis tornar-se mortal. Não para sofrer, mas para viver plenamente. Não para esquecer sua natureza, mas para escolhê-la. Dizem que, com um último cântico, ela se despiu do divino e passou a envelhecer. Caminhou pela ilha uma última vez. Tocou as folhas, sentiu o vento, e então desapareceu. Talvez tenha morrido. Talvez apenas mudado de forma. Mas sua lenda, essa não teve fim.