O Décimo Trabalho de Heracles: Os Bois de Gerião
Publicado em Segunda-feira,

personagem: Héracles, Euristeu, Gérion, Ortros, Euritião, Hélio, Hera, Érix
O DÉCIMO TRABALHO: A TRAVESSIA PARA O FIM DO MUNDO
Após entregar o cinturão de Hipólita banhado em sangue e silêncio, Héracles mal teve tempo de respirar. Euristeu, impiedoso, não deu descanso. Com a mesma frieza de sempre, anunciou: “Seu próximo trabalho é atravessar o mundo até o extremo oeste e roubar o gado vermelho de Gérion.” O herói não respondeu. Mas dentro de si, soube que esse desafio era diferente. Não se tratava de monstros que vinham até ele — agora, ele teria que ir até o fim do mundo para enfrentá-los.
UMA CRIATURA DE TRÊS CORPOS
Gérion não era um mortal qualquer. Era um gigante com três corpos fundidos pela cintura, três cabeças, três peitos, três espadas — e força suficiente para enfrentar cem homens sozinho. Guardava seu rebanho carmesim com o auxílio de um cão monstruoso de duas cabeças chamado Ortros, irmão de Cérbero, e ainda contava com a vigilância de um pastor cruel chamado Euritião. Roubar o gado seria como roubar o próprio coração de Gérion — e esse coração estava blindado por sangue, ferro e ódio.
A JORNADA QUE CORTA CONTINENTES
Para chegar até a ilha de Erítia, onde Gérion vivia, Héracles teria que atravessar desertos, rios, cordilheiras e terras que nenhum grego jamais ousara pisar. Ele marchou pelo norte da África, suando sob o sol abrasador. No meio do deserto da Líbia, a raiva cresceu. E quando o sol pareceu zombar dele por dias a fio, o herói ergueu seu arco e disparou uma flecha direto para o céu, como se quisesse ferir o próprio Hélio, o deus-sol.
O PRESENTE DE UM DEUS
Mas Hélio não se ofendeu. Pelo contrário, ficou impressionado com a audácia do herói. Em resposta, ofereceu a Héracles seu próprio barco dourado, uma espécie de grande taça solar que atravessava o oceano todas as noites. Com isso, Héracles pôde cruzar as águas até os confins do mundo, onde o dia morria e o desconhecido reinava. Era uma travessia literal e simbólica: Héracles agora navegava para além do mundo dos vivos.
A CHEGADA NA ILHA DO IMPOSSÍVEL
Erítia era uma ilha árida e vermelha, cheia de penhascos e sons estranhos que ecoavam como vozes de mortos. Era ali que o gado de Gérion pastava: centenas de bois de pelo vermelho-fogo e olhos inteligentes. Mas antes que Héracles pudesse agir, Ortros, o cão bicéfalo, sentiu seu cheiro. O monstro correu como um trovão. Dois focinhos, quatro olhos, e apenas um desejo: devorar o intruso.
ORTROS NÃO TEVE CHANCE
Héracles, com frieza de guerreiro e força de deus, sacou seu porrete e esmagou Ortros com um único golpe. O cão caiu sem emitir um som. Em seguida, Euritião, o pastor de Gérion, veio correndo com uma lança, gritando maldições. O herói não hesitou. Arremessou sua clava com tanta violência que partiu o homem ao meio. Dois guardiões mortos. Mas o verdadeiro desafio ainda estava por vir — Gérion ouviu tudo. E marchava para o combate.
TRÊS CORPOS, UM ÓDIO
O gigante surgiu como um pesadelo sólido. Três cabeças gritando ao mesmo tempo, cada uma com sua própria fúria. Ele brandia três espadas como se fossem penas. Quando viu seus companheiros mortos e seu gado sendo reunido por Héracles, rugiu como um deus da guerra. E atacou. O campo tremeu. O confronto entre os dois foi tão brutal que dizem que o chão de Erítia rachou, e o céu escureceu.
A FLECHA DE MIL DEUSES
Gérion era rápido, mais do que qualquer gigante. Mas Héracles era paciente. Esquivava, recuava, observava. E quando o gigante saltou para um golpe triplo, Héracles puxou o arco e disparou uma flecha envenenada com o sangue da Hidra de Lerna. A seta perfurou um dos peitos do gigante, atravessando os três corpos em linha reta. Gérion caiu. Seu corpo colossal levou minutos para tombar. O gado mugiu em desespero. A ilha ficou em silêncio.
O RETORNO NUNCA É FÁCIL
Héracles reuniu os bois e iniciou o retorno. Mas Hera, sempre pronta para dificultar, enviou um enxame de obstáculos: bandidos, enchentes, terremotos, e até um rio que tentou afogá-lo com suas águas furiosas. Ele enfrentou todos, um por um. Em alguns lugares, teve que levantar montanhas para continuar. Em outros, construiu passagens com os próprios braços. Era como se o mundo inteiro tentasse impedi-lo de cumprir sua missão.
A FUNDAÇÃO DAS COLUNAS DE HÉRCULES
Ao cruzar o estreito de Gibraltar, Héracles ergueu dois pilares gigantescos para marcar sua passagem. De um lado, a rocha da África. Do outro, a montanha da Europa. Esses pilares se tornariam lendários: as Colunas de Hércules, símbolo do limite do mundo conhecido. Era como se o herói dissesse: “Até aqui vai a força dos homens. O que vem depois, pertence aos deuses.”
UMA VACA FUGITIVA CAUSA UMA GUERRA
Já perto da Grécia, uma das vacas escapou e correu até a Sicília. Héracles teve que persegui-la por dias. O rei Érix, que governava a região, tentou tomar o gado para si. Isso levou a um duelo. Héracles o matou no braço, afundando-o no chão. Mas o episódio atrasou ainda mais seu retorno, que já era penoso. Em cada canto, havia alguém tentando tirar vantagem. Mas o herói seguia. Os bois estavam vivos. E isso era tudo que importava.
A ENTREGA DO REBANHO VERMELHO
Finalmente, Héracles chegou a Micenas com os bois de Gérion. Euristeu olhou para os animais com espanto e inveja. Ele nunca esperava que Héracles sobrevivesse. Os bois foram sacrificados a Hera, em uma cerimônia sem alegria. Euristeu tentou fingir honra, mas o herói sabia: aquele rei só queria vê-lo fracassar. E, mais uma vez, havia falhado.
UM CORPO CANSADO, UMA ALMA EM FRANGALHOS
Héracles já não era o mesmo. Seus braços estavam mais fortes. Mas seu olhar, mais vazio. Ele não lutava mais por glória, nem por redenção. Apenas seguia. Como um rio condenado a correr eternamente. A cada trabalho, menos humanidade. Mais cicatrizes. Ele era o herói de mil vitórias — e, ao mesmo tempo, o homem que jamais podia parar. Porque se parasse, o peso do passado o esmagaria.
UM NOME GRAVADO NA TERRA E NO CÉU
A história do roubo do gado de Gérion atravessou séculos. Povos inteiros passaram a reverenciar Héracles não apenas como um guerreiro, mas como um desbravador. A travessia, os pilares, o duelo com o gigante, a travessia de oceanos… tudo virou lenda. O herói grego havia tocado os confins do mundo. E deixado sua marca ali, onde o sol dorme e os deuses sussurram entre as estrelas.
AS MÃOS QUE CARREGAM O IMPOSSÍVEL
Esse foi o décimo trabalho de Héracles. Um feito que combinou tudo: distância, monstros, deuses, traições, desafios físicos e morais. Um feito que o aproximou dos limites do mundo e da própria existência. E mesmo assim, ele voltou. Porque Héracles não era feito apenas de músculos. Era feito de uma vontade indestrutível de suportar o insuportável.
MAS O JOGO AINDA NÃO ACABOU
Euristeu, que tanto desejava sua queda, ainda não estava satisfeito. Logo ele descobriria que dois dos trabalhos anteriores não seriam contados. O da Hidra, porque Iolau o ajudou. E o dos estábulos de Áugias, porque aceitou pagamento. Ou seja: Héracles teria que fazer mais dois. E esses dois seriam ainda mais terríveis. Mas o herói apenas fechou os olhos. Respirou fundo. E se preparou para continuar.