Creonte
Publicado em Quinta-feira,

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O Rei Entre Dois Mundos
Creonte foi rei de Corinto, uma cidade poderosa, rica em comércio e tradições, encravada entre Atenas e Esparta. Seu nome significa “aquele que governa”, e seu reinado foi marcado por equilíbrio, diplomacia e estabilidade. Mas a paz que construiu durante anos foi arruinada por um erro de cálculo político: acolher em sua corte o herói Jasão e sua esposa Medeia. Essa decisão aparentemente generosa acabaria por destruir sua linhagem, seu palácio e seu próprio corpo, colocando Creonte no centro de uma das maiores tragédias da mitologia grega.
A Política do Acolhimento
Após conquistar o velocino de ouro e fugir de Iolco, Jasão precisava de um novo lar. Chegou a Corinto com Medeia e seus filhos, buscando refúgio. Creonte, sensato e diplomático, os acolheu. Um herói entre os argonautas traria prestígio. E mesmo Medeia, com sua fama de feiticeira, foi tolerada — desde que vivesse em paz. Por anos, tudo correu bem. Os forasteiros viviam como cidadãos honrados. Mas Creonte era rei e pensava no futuro: sua filha, Glauce, estava pronta para um casamento político. Jasão, viúvo de intenções, parecia o pretendente ideal.
A Proposta Perigosa
A ideia de unir Jasão e Glauce surgiu como uma oportunidade. O herói era forte, carismático e com fama que ainda ecoava pelos portos. Glauce era jovem, bela e querida pelo povo. A aliança uniria passado heroico e futuro real. Mas havia um obstáculo: Medeia. A mulher de Jasão não aceitaria ser descartada como uma sombra. Creonte sabia disso, e mesmo assim decidiu avançar. Proibiu Medeia de permanecer em Corinto. Deu-lhe um dia para partir. Achava que estava sendo generoso. Não imaginava que estava assinando sua própria sentença de morte.
O Dia de Fogo
Medeia usou o dia de tolerância que Creonte concedeu não para fugir, mas para se vingar. Enviou à princesa Glauce um vestido e uma coroa encantados. Glauce, encantada com o presente, colocou tudo sem suspeita. A magia oculta, feita por Medeia com as forças ocultas herdadas de Hélio e Hécate, ativou-se assim que tocou a pele da moça. Chamas místicas, impossíveis de conter, tomaram o corpo da jovem. Glauce gritou. Os criados fugiram. O palácio entrou em caos. E Creonte, ao ouvir os gritos da filha, correu para salvá-la.
O Abraço Mortal
Ao ver a filha em chamas, Creonte entrou em desespero. Ignorando a fumaça e o calor, correu até ela. Tentou arrancar o vestido, jogou água, gritou por ajuda. Mas tudo era inútil. A magia de Medeia era mais forte que qualquer elemento terreno. O fogo sobrenatural passou do corpo de Glauce para o de Creonte no instante em que ele a tocou. Em pouco tempo, ambos estavam envolvidos pelas chamas. Gritaram, caíram, se abraçaram enquanto a morte os consumia. A tragédia foi tão intensa que o povo de Corinto se calou por dias.
A Ruína de Corinto
A morte de Creonte deixou Corinto sem rei. Sua filha, herdeira direta, também havia morrido. Jasão, o suposto genro, estava arruinado emocionalmente. Medeia havia fugido num carro alado enviado por Hélio, levando consigo a sombra de toda destruição. O povo amaldiçoou o nome dela, mas alguns também culparam Creonte. Ele havia permitido que Jasão entrasse. Ele havia aprovado o casamento. Ele havia expulsado Medeia sem pensar nas consequências. A ruína da casa real de Corinto foi vista, pelos cronistas antigos, como resultado da imprudência de um rei que achou que podia controlar deuses e bruxas.
As Outras Faces de Creonte
O nome Creonte aparece em mais de uma tradição mitológica grega. Existe outro rei chamado Creonte, que reina em Tebas e aparece nas tragédias de Sófocles, especialmente em Antígona. No entanto, o Creonte de Corinto é um personagem diferente. Menos conhecido, menos desenvolvido, mas central em uma das histórias mais violentas do mito grego. Enquanto o tebano debate leis e moralidade, o coríntio é esmagado pela consequência da paixão e da vingança alheias. Um governante pego no fogo cruzado entre Jasão e Medeia.
A Visão Trágica de Eurípides
Na peça Medeia, de Eurípides, Creonte aparece como um personagem secundário, mas crucial. Ele é o rei que, temendo por sua filha, tenta proteger seu reino com a razão. Sua fala é tensa, racional, mas ao mesmo tempo cheia de falhas humanas. Ele expulsa Medeia por medo, mas cede um dia de tolerância por piedade. Esse único dia é o tempo exato que ela precisa para destruir tudo. Eurípides o retrata como um homem que tenta ser justo, mas acaba como mais uma vítima de uma mulher que ousou desafiar o mundo masculino.
Justiça ou Covardia?
Alguns intérpretes modernos criticam a atitude de Creonte. Em vez de lidar diretamente com Jasão e resolver o casamento de forma diplomática, ele agiu por medo e afastou apenas Medeia. Seu gesto foi visto como político, mas também como covarde: quis evitar problemas e terminou criando um abismo. Outros o veem como um homem acuado por forças maiores: como conter uma mulher traída que dominava a feitiçaria? Como proteger uma filha de uma rival invisível? Sua morte trágica é tanto castigo quanto consequência inevitável de um mundo governado por deuses e paixões incontroláveis.
A Memória do Rei Queimado
Na tradição coríntia, houve durante séculos um culto silencioso à memória de Creonte. Fontes contam que a área do palácio onde ele e Glauce morreram foi selada e considerada maldita. Alguns diziam que, à noite, ainda era possível ouvir os gritos do rei tentando salvar a filha. Em certas versões órficas, o espírito de Creonte foi absorvido pelas Erínias, deusas da vingança, como punição por ter permitido a entrada da bruxa em sua cidade. Outros afirmam que sua alma vagueia ao lado da de Glauce, condenada a reviver sua morte em um ciclo eterno.
Entre a Glória e o Erro
O reinado de Creonte foi, em seus primeiros anos, marcado por prosperidade. Corinto floresceu, expandiu rotas marítimas, atraiu heróis e sábios. Mas sua tentativa de unir política e paixão foi seu erro fatal. O casamento de Glauce com Jasão parecia um sonho estratégico, mas terminou como um pesadelo ardente. Creonte é lembrado como um rei que quis proteger a filha e manter a ordem, mas que falhou diante da imprevisibilidade de uma mulher traída e do peso da culpa de um herói covarde.
A Última Visão de Glauce
A iconografia tardia da tragédia descreve uma cena particularmente dramática: Glauce, já envolta em chamas, estende as mãos para o pai, suplicando. Ele hesita por uma fração de segundo — e então a abraça. Essa imagem, reproduzida em vasos e mosaicos, eternizou o gesto desesperado de um rei que trocou a razão pelo amor de pai. O fogo os uniu e os destruiu. Para muitos, essa é a essência do mito: o coração vencendo o trono. A última decisão de Creonte não foi política — foi humana.
Uma Tragédia de Pai
Creonte não morreu como rei em guerra, nem como herói combatente. Morreu como pai. Sua tentativa de salvar a filha, mesmo sabendo do risco, é o que mais comove os que revisitam a lenda. Não foi a política que o matou, mas o amor. Isso o diferencia de tantos outros reis da mitologia, que sacrificam filhos, esposas e cidades por poder. Creonte sacrificou tudo para tentar salvar uma única vida — e não conseguiu. E por isso, seu nome, embora menos famoso, permanece gravado nas cinzas de uma das histórias mais tristes da Grécia Antiga.
A Voz Silenciosa dos Reis Caídos
A mitologia grega está cheia de heróis que vencem monstros, de deuses que dominam o destino, de mulheres que desafiam as leis divinas. Mas há também os que apenas tentam sobreviver. Creonte é um deles. Um homem em meio a forças que não pode controlar. Um rei cercado de escolhas impossíveis. Sua história é a do homem comum na mitologia: alguém que tenta fazer o certo, mas que é tragado pela fúria de personagens maiores do que a vida. Seu silêncio final ecoa como um aviso: até os reis morrem queimados quando se aproximam demais do fogo dos deuses.