O Segundo Trabalho de Heracles: A Hidra de Lerna
Publicado em Sabado,

personagem: Héracles, Iolau, Euristeu, Hera, Hidra De Lerna
O segundo trabalho
Após derrotar o Leão de Nemeia, Héracles ainda sentia o peso da pele do animal sobre os ombros, como armadura e troféu. Mas Euristeu não teve tempo para contemplações. Mal o herói retornou, o rei já o encarregou de uma nova missão: matar a Hidra de Lerna, uma criatura monstruosa que vivia em um pântano perto do lago de Lerna, ao sul de Argos. Diziam que a besta era invencível, com múltiplas cabeças — e uma delas, a principal, imortal.
O monstro do pântano
A Hidra não era só um bicho de fábula. Era o terror de vilarejos inteiros. Filha de Tifão e Equidna — os pais de todos os monstros —, a criatura tinha entre sete e cem cabeças, dependendo do autor da história. Todas as cabeças podiam cuspir veneno, e seu hálito era capaz de matar qualquer ser vivo. Além disso, cada vez que uma de suas cabeças era cortada, duas novas cresciam no lugar. Era um monstro que se multiplicava com o ataque. E o pântano onde vivia era envenenado por seu sangue.
A preparação para o confronto
Héracles sabia que não podia lutar contra algo assim na força bruta. Ele vestiu a pele do leão, pegou sua clava de oliveira e levou seu sobrinho Iolau, companheiro fiel e aprendiz. O jovem foi contra a vontade de Euristeu, que dizia que os trabalhos deveriam ser feitos sem ajuda. Mas Héracles desconfiava de que enfrentaria mais que apenas um monstro — ele temia uma armadilha dos deuses.
A chegada ao pântano de Lerna
O local era um inferno verde. Árvores apodrecidas, água estagnada, mosquitos do tamanho de dedos e um silêncio fúnebre cobriam tudo. O solo era mole, afundava aos poucos. O ar, denso, tinha cheiro de podridão e morte. No centro, uma caverna de onde a Hidra emergia para devorar gado, homens, e até aves em pleno voo. Ao se aproximarem, cavalos morriam de medo. Iolau quase desmaiou.
A primeira aparição da criatura
Quando Héracles gritou o nome da Hidra, a terra tremeu. Um rugido que parecia vir de cem gargantas ecoou. Da caverna rastejou uma criatura gigantesca, com corpo de serpente escamosa e dezenas de pescoços ondulantes. As cabeças se moviam como cobras famintas, cada uma com olhos brilhando em vermelho e bocas cheias de presas afiadas. Quando ela se ergueu sobre a água, o céu escureceu. Estava formada a arena do segundo trabalho.
O ataque inicial
Héracles começou a batalha com golpes de clava. A madeira batia nas cabeças, esmagando uma, duas, três de uma vez. Mas ao cair no chão, novas cabeças surgiam, em dobro. Ele logo percebeu que o monstro ficava mais forte quanto mais era ferido. A luta virou um pesadelo. Cada golpe bem-sucedido era punido com mais tentáculos mortais. A Hidra avançava em todas as direções, mordendo o ar com raiva e fúria.
O veneno que queimava
O veneno da Hidra era diferente de qualquer substância na Terra. Quando respingava, queimava como ácido. Uma gota caindo em pedra a corroía até virar pó. O herói teve que recuar mais de uma vez, protegendo o rosto com a pele do leão. Mesmo assim, sua perna foi atingida. A dor foi tão intensa que ele quase desmaiou. Não era uma batalha comum — era uma luta contra a própria morte.
A ideia de Iolau
Foi Iolau quem teve o estalo. Ele gritou para Héracles parar de golpear. Com uma tocha em mãos, o jovem ateou fogo a galhos secos e correu até o herói. A ideia era simples e brilhante: cada vez que Héracles cortasse uma cabeça, Iolau queimaria o pescoço com fogo, cauterizando a ferida e impedindo o crescimento das novas cabeças. Começou uma dança violenta entre lâminas e fogo.
Fogo contra veneno
O plano funcionava. Héracles cortava as cabeças com sua espada — não mais com a clava — e Iolau surgia em seguida com chamas, selando o corte. Cabeça após cabeça, a Hidra gritava de dor. O fogo fazia o pântano explodir em vapor. O cheiro era insuportável, a fumaça envolvia tudo. Mas os gritos do monstro começavam a diminuir. Pela primeira vez em séculos, a Hidra sangrava de verdade.
A cabeça imortal
Quando restava apenas uma, a cabeça central se ergueu furiosa. Era maior que as outras, com chifres e olhos brancos como os da morte. Héracles atacou, mas a espada quebrou contra o crânio da criatura. Nenhum corte penetrava. A cabeça imortal era invencível. Iolau tentou usar o fogo, mas as chamas apagavam antes de tocar nela. Ali estava o coração do monstro. A cabeça que jamais morria.
A luta corpo a corpo
Sem espada, Héracles usou a clava. Pulou sobre o pescoço da Hidra e, com golpes seguidos, tentou esmagar a cabeça contra o chão. O pescoço da besta se enrolava em seu corpo, tentando esmagar seus pulmões. O herói gritava enquanto músculos se rompiam. Era mais do que força — era perseverança. No décimo golpe, a cabeça finalmente afundou na lama. A Hidra soltou um último rugido e parou de se mover.
Enterrando a morte
Héracles arrancou a cabeça imortal com as próprias mãos. Como não podia destruí-la, a enterrou no pântano e colocou uma pedra imensa sobre ela, para que nunca voltasse à superfície. Era o fim da Hidra. E o pântano, agora sem seu monstro, começou a clarear. A água mudou de cor. Os sapos voltaram a coaxar. O mundo ao redor parecia respirar outra vez.
O sangue que ainda matava
Mas o sangue da Hidra continuava sendo uma arma. Héracles molhou suas flechas nele, transformando-as em flechas venenosas. Qualquer corte agora seria mortal. Essas flechas seriam decisivas em várias batalhas futuras, inclusive na guerra de Troia. E também carregariam uma maldição — pois o mesmo veneno, um dia, causaria a morte de Héracles.
O reconhecimento negado
Quando Héracles retornou a Euristeu, trazendo a pele da criatura e as flechas negras, esperava que o rei finalmente reconhecesse sua glória. Mas, como antes, o monarca recusou-se a validar o feito. Disse que Héracles teve ajuda de Iolau, e portanto o trabalho não contava. Era mais uma tentativa covarde de diminuir a glória do herói. Mas o povo sabia a verdade.
A fama que cresceu
A vitória sobre a Hidra correu pela Grécia. Poetas começaram a cantar sobre o herói que enfrentou a morte e venceu. Filósofos viram na batalha uma alegoria contra o mal que se multiplica, que só pode ser vencido com inteligência e coragem. O nome “Hidra” passou a simbolizar problemas que crescem quando não são resolvidos da forma correta. E Héracles virou o símbolo do herói completo: força, sim — mas também estratégia.
O impacto do veneno
O sangue da Hidra se tornaria uma das substâncias mais temidas da Antiguidade. O simples toque podia matar homens, animais, plantas. Diziam que até os deuses evitavam se aproximar das flechas de Héracles. E quando ele matou o centauro Nesso com uma dessas flechas, o veneno permaneceu no sangue do monstro. Esse detalhe seria o começo do fim do próprio herói — e um lembrete de que nenhum poder vem sem custo.
A maldição que ficou
A Hidra foi vencida, mas deixou um rastro de tragédias futuras. Sua cabeça imortal ainda estava enterrada em Lerna. Muitos diziam que, em noites de tempestade, podiam ouvir o sussurro do monstro vindo da terra. Outros afirmavam que as águas do pântano ainda estavam envenenadas. Ninguém se aproximava mais dali. Era como se a morte tivesse sido apenas adormecida, não destruída.
A relação com Hera
É importante lembrar: a Hidra havia sido criada por Hera, a deusa que odiava Héracles. Ela queria que o monstro matasse o herói, como parte de sua vingança contra Zeus. Mas, mais uma vez, seus planos fracassaram. E isso só aumentou seu rancor. Hera colocou a Hidra no céu, como constelação, para que o mundo nunca esquecesse daquela fera — e talvez, para lembrar que ela ainda observava.
O aprendizado do herói
Depois desse trabalho, Héracles passou a desconfiar mais dos desafios. Não bastava ter força. Ele precisaria de aliados, de astúcia, de observação. E passou a planejar suas ações com mais cautela. A Hidra havia lhe ensinado que até o herói mais poderoso pode fracassar se agir sozinho e sem estratégia. Foi um divisor de águas em sua jornada.
A marca na história
Séculos depois, os romanos usariam o símbolo da Hidra para representar desafios políticos, como a corrupção. Napoleão, em tempos modernos, a compararia aos levantes populares. Em toda cultura, a Hidra passou a significar um mal persistente, que se renova se atacado sem inteligência. E o nome de Héracles seguia como aquele que ousou enfrentar o impossível — e venceu.