Medeia tentou matar Teseu com veneno
Publicado em Domingo,

personagem: Medéia, Teseu, Egeu, Medo, Jasão, Hélio, Hécate, Etra, Pélias
O sangue de uma feiticeira
Medéia não nasceu para ser comum. Filha do rei Eetes da Cólquida e neta do deus Hélio, ela carregava em seu sangue o fogo da feitiçaria e o veneno das serpentes sagradas. Desde criança, andava entre sombras e encantamentos, guiada pelas mãos de Hécate, a deusa da magia. Quando Jasão chegou à Cólquida em busca do Velocino de Ouro, foi ela quem se apaixonou, traiu a própria pátria, matou o próprio irmão e fugiu com o herói para viver um amor amaldiçoado.
Da paixão ao exílio
O que começou como um êxtase divino se transformou em tormento. Após ajudar Jasão a conquistar o Velocino de Ouro, Medéia fugiu com ele para a Grécia, onde casaram-se e tiveram filhos. Durante os anos de peregrinação, ela cometeu crimes terríveis para proteger ou vingar o amado: matou Pélias, o tio de Jasão, armando uma ilusão mágica com suas filhas; foi expulsa de Iolco, e seguiu vagando até encontrar abrigo em Atenas, governada por Egeu. Ali, Medéia viu uma nova chance de estabilidade.
A nova vida em Atenas
Egeu, rei de Atenas, acolheu Medéia como hóspede, depois como consorte. Ele a admirava, temia e dependia de seus poderes para proteger o reino. Medéia, por sua vez, via em Egeu uma oportunidade de apagar o passado turbulento e reconstruir seu nome. Os dois se casaram, e ela deu-lhe um filho chamado Medo. A cidade, no entanto, sussurrava sobre sua fama sangrenta. Ninguém esquecia de onde ela viera — e o que havia feito para manter seu amor por Jasão.
Um príncipe perdido no tempo
Enquanto Medéia estabelecia sua nova vida, o destino tecia outro fio: Teseu, filho de Egeu com uma princesa troiana chamada Etra, crescia longe de Atenas, sem conhecer o pai. Ao atingir a maioridade, descobriu sua origem e partiu rumo à capital da Ática para reclamar seu lugar como príncipe legítimo. Recusando atalhos ou ajudas divinas, enfrentou monstros, bandidos e armadilhas em sua jornada, tornando-se um herói aclamado mesmo antes de chegar à corte.
Medéia percebe o perigo
Quando Medéia soube da existência de Teseu e de sua aproximação de Atenas, sua mente se obscureceu. Ela entendeu o risco imediatamente: se Teseu fosse reconhecido por Egeu como filho legítimo, Medo — seu filho com o rei — perderia o direito ao trono. Mais do que perder poder, Medéia temia ser descartada de novo. O fantasma de Jasão, que também a trocara, ainda ardia em sua memória. Ela jurou que não permitiria que o passado se repetisse.
A chegada silenciosa de Teseu
Teseu chegou a Atenas disfarçado. Ele queria testar o coração do pai antes de se revelar. Ninguém sabia quem ele era, e ele entrou no palácio como um visitante qualquer, participando dos banquetes e assistindo aos assuntos da corte. Egeu, já velho e desconfiado, não reconheceu o jovem. Mas Medéia o reconheceu. Seu instinto mágico sentiu a presença de um rival. Ela viu em Teseu a mesma luz heroica que um dia brilhou em Jasão. E isso a apavorou.
O plano da feiticeira
Medéia decidiu agir antes que Egeu descobrisse a verdade. Sem hesitar, tramou a morte de Teseu em silêncio. Em uma noite de celebração no palácio, quando todos estavam distraídos com música e vinho, ela preparou um cálice de vinho envenenado, misturado com essências raras trazidas da Cólquida, capazes de matar sem deixar rastros. Aproximou-se de Egeu e sugeriu que brindassem com o jovem visitante. O rei, confiante, aceitou a proposta.
O fio da espada
No exato momento em que Teseu ergueu o cálice para beber, ele resolveu revelar sua identidade. Puxou de sua túnica uma espada — a mesma que Egeu deixara escondida sob uma pedra anos antes, como sinal de reconhecimento. Ao ver a lâmina, Egeu ficou imóvel, o rosto empalideceu. Ele se levantou com um grito, derrubando o cálice das mãos de Teseu antes que o líquido tocasse seus lábios. O vinho se espalhou pelo chão, corroendo o mármore como ácido.
A verdade revelada
Teseu contou toda a história: o nascimento em Trezena, o desafio da espada, a jornada até Atenas. Cada palavra confirmava o que Egeu sempre esperou ouvir. O rei caiu de joelhos e abraçou o filho com lágrimas nos olhos. A corte inteira parou para assistir. Medéia, vendo o plano desmoronar, manteve a expressão fria, mas seus olhos ardiam. Sabia que seu tempo ali havia terminado. Os conselheiros cochichavam, os guardas se afastavam — ela agora era novamente a estrangeira indesejada.
A fuga de Medéia
Egeu, embora arrasado, não mandou executar Medéia. Talvez por respeito ao filho Medo, talvez por medo dos poderes que ela ainda guardava. Mas ordenou que ela fosse exilada imediatamente. Medéia fugiu da cidade à noite, usando feitiços para se proteger. Alguns dizem que partiu em uma carruagem puxada por serpentes aladas enviadas por Hélio, seu avô. Outros dizem que ela simplesmente desapareceu entre sombras, prometendo vingança. Seja como for, Medéia sumiu — mas seu nome ficou gravado como um eco sombrio nos salões de Atenas.
Teseu toma seu lugar
Com Medéia longe, Teseu foi proclamado herdeiro de Atenas. Tornou-se não só um príncipe, mas um herói consagrado. Mais tarde enfrentaria o Minotauro em Creta, uniria as cidades da Ática sob uma única liderança e criaria as bases da democracia ateniense. Mas a lembrança daquela noite — em que quase morreu pelas mãos de uma madrasta mágica — nunca o abandonaria. Medéia, mesmo derrotada, havia deixado uma marca de veneno em sua vida.
A cicatriz invisível
Medéia não matou Teseu, mas o feriu de outro modo. O medo que ela gerou, a desconfiança que plantou em Egeu, a divisão que causou no palácio — tudo isso moldou a alma do jovem herói. A partir daquele momento, Teseu deixou de ser apenas o aventureiro idealista. Ele entendeu o peso do poder, o jogo da política, o risco dos afetos. Medéia o ensinou, sem querer, a desconfiar dos sorrisos e a observar além das palavras.
Medo, o filho esquecido
O filho de Medéia e Egeu, Medo, foi levado com a mãe para o exílio. Alguns relatos dizem que ela o criou em terras bárbaras, onde ele se tornou rei entre povos estrangeiros. Outros dizem que ele foi morto ainda jovem, vítima de uma emboscada. Em qualquer versão, Medo representa a vida que Medéia tentou construir e que foi arrancada por uma história que vinha antes dela. Mesmo com todo seu poder, ela não conseguiu moldar o destino.
A maldição da linhagem de Egeu
A tentativa de Medéia de matar Teseu foi só o primeiro de muitos episódios sangrentos ligados à linhagem de Egeu. O próprio rei morreria tragicamente, lançando-se do alto de um penhasco ao pensar que Teseu estava morto. Teseu, por sua vez, teria um reinado turbulento, enfrentando traições, perdas e desilusões. Medéia não foi a causa de tudo, mas talvez tenha sido o primeiro sinal de que essa família estava marcada.
Uma feiticeira que nunca se apaga
Medéia jamais foi esquecida. Mesmo expulsa de Atenas, mesmo condenada por muitos de seus atos, seu nome continuou a ecoar em peças, lendas e histórias. Para uns, era um monstro cruel. Para outros, uma mulher poderosa em um mundo que temia mulheres poderosas. No caso de Teseu, ela foi a sombra que quase apagou sua luz. Um inimigo silencioso que atacou com palavras, poções e disfarces — e que quase venceu.
Entre magia e política
A tentativa de assassinar Teseu não foi só um ato de vingança ou ciúme. Foi também um movimento político. Medéia entendia o jogo do poder melhor que muitos reis. Ela sabia que o nascimento real não bastava — era preciso eliminar os rivais antes que eles tivessem chance de mostrar valor. Ela agiu como uma rainha estrategista, e falhou apenas porque Teseu carregava não só o sangue de Egeu, mas a sorte dos heróis protegidos pelos deuses.
A última lição
A história de Medéia tentando matar Teseu ensina algo importante: nem sempre o maior perigo vem de monstros ou guerras. Às vezes, ele se senta à mesa do palácio, sorri educadamente e oferece um cálice de vinho. Teseu sobreviveu porque teve coragem de se revelar no momento certo. Mas quantos outros não teriam bebido o veneno sem saber? Em um mundo de deuses e heróis, o maior dom talvez seja a intuição.